Antes da construção do Forte
O Forte da Graça é uma obra da segunda metade do séc. XVIII que se encontra na colina a Norte da cidade de Elvas terá uma ocupação humana muito mais antiga. Será povoada na Idade do Ferro e posteriormente pelos romanos, no entanto a construção do Forte ao cortar o topo do outeiro apagou todos os vestígios anteriores.
Está comprovado, através de documentos históricos, que em 1370, Catarina Mendes, esposa de Estêvão Vaz da Gama, bisavós do navegador Vasco da Gama, patrocina a construção neste local da Ermida de Nossa Senhora da Graça. Seria uma interessante igreja gótica com um complexo que incluía claustro, cisterna e alguns alojamentos. Esta igreja esteve de pé até 1763, ano em que se inicia a construção do Forte da Graça.
No entanto, no séc. XVII, este local estratégico começou a ter função militar. No âmbito da Guerra da Restauração (1641-1668), o exército espanhol constrói aqui uma pequena fortificação no âmbito do cerco das Linhas de Elvas. Nesse fortim são colocadas duas peças de artilharia que bombardeiam a cidade. Vestígios do fortim também duraram até 1763, altura que a grande obra os apaga.
A Construção
Ao longo dos séculos, Elvas acabou por ser uma sentinela atenta e cooperante da fronteira portuguesa, considerada por todos os estrategas e militares como a “Chave do Reino”.
A construção do Forte de Lippe (nome que mudaria posteriormente para Forte da Graça) resultou num passo fulcral para colmatar o sistema de fortificação seiscentista de Elvas, ao nível da sua plena evolução e eficácia.
A gigantesca obra de fortificação foi delineada e colocada em execução pelo Conde de Lippe. Os trabalhos iniciaram-se em julho de 1763 e continuaram até 1792.
A ordem para a construção do Forte da Graça foi dada pelo Conde de Lippe em 1762 ao Tenente Coronel Eng. Pierre Robert de Bassenond. Ainda nesse ano, foi feita uma primeira planta por Luís Gomes de Carvalho e atribuída a direção das obras ao Capitão Engenheiro Étienne. No entanto, em 1764, Étienne partiria para a Alemanha para trabalhar na conclusão do Forte de Wilhelmstein. Saindo também de Portugal nesse ano, Lippe aconselha o Marquês de Pombal a contratar o Coronel de Artilharia Guillaume Louis Antoine de Valleré para continuar a obra, o que vem a acontecer. Valleré faz algumas alterações ao projeto inicial e atribuiu ao Forte um “grau de sofisticação defensiva inexcedível” nas palavras de Domingos Bucho. Na obra, Valleré não só esgota tudo o que de melhor havia na arquitetura militar daquele tempo, mas também inova a vários níveis, inventando reparos para fins específicos, tipos de artilharia, passagens fáceis para soldados, armamento e muito mais. Ao longo da construção foi ainda criada uma Aula de Artilharia para ensinar as tropas do que se ia fazendo naquele forte. Durante a construção, trabalharam no forte 6 mil homens, tendo a obra custado 767.000$000 réis.
A construção foi gigantesca, o forte deveria inexpugnável uma vez que se fosse tomado facilmente bombardearia a cidade com eficácia. Por outro lado, para ser gigante e inexpugnável teria que ter armamento e guarnição à altura, o que obrigava a muitos quartéis, casamatas e paióis. Tendo em conta que o topo de uma colina limita o espaço da construção, esse espaço teria que ser otimizado ao máximo. O resultado final foi a construção de um forte com diversos andares e subterrâneos e onde as obras de arquitetura militar se esgotaram, como comentou o Príncipe de Waldeck pouco tempo depois.
Descrição do Forte
O complexo sistema do Forte da Graça é dividido em três partes: O reduto central, o recinto magistral e as obras exteriores.
O Reduto central tem uma cisterna subterrânea que serve de depósito de recolha das águas pluviais. O primeiro piso tem dois corredores, correspondentes à antiga capela, que se juntam ao centro onde se observa uma cúpula com quatro tribunas elípticas com função defensiva, para além de diversos compartimentos. No segundo piso temos um corredor à volta da cúpula do primeiro piso e um corredor a partir do qual se acede a diversos compartimentos: paióis e armazéns. O terceiro piso corresponde a um terraço com diversos dispositivos de defesa (parapeitos, frestas, matacães e canhoeiras) e donde se acede à Casa do Governador. Esta casa tem no rés-do-chão uma sala redonda com pinturas alusivas à construção do forte. No 1º andar da casa temos uma sala central rodeada de diversas outras salas com distintas decorações a estuque. O 2º andar consiste num eirado e é o ponto mais elevado do Forte da Graça. Este reduto é defendido por três ordens de artilharia viradas para o fosso secundário e para o recinto magistral.
De uma forma breve, podemos dizer que o Recinto Magistral divide as obras exteriores do reduto central que se encontra no interior. É constituído por um sistema de baluartes ligados por cortinas, delineando uma forma quadrangular. Este quadrado tem 145m de lado com quatro baluartes de ângulo (Santo Amaro, Malefa, Badajoz e Cidade) separados por cortinas. A cada cortina corresponde um revelim que a defende. Nos terraplenos dos baluartes, o recinto magistral tem diversas casas que em tempo de paz eram habitações dos oficiais e em tempo de guerra se transformavam rapidamente em canhoeiras cobertas. Debaixo do terrapleno, o recinto tem diversos compartimentos que serviam de paióis, quartéis e galerias de tiro para o fosso.
Este fosso é o fosso principal que separa o recinto magistral dos revelins e obras exteriores. Liga-se ao recinto magistral por diversas poternas com pequenas pontes levadiças. A parte do fosso voltada à cidade chegou a ter um espelho de água que foi depois anulado na primeira metade do séc. XIX
As obras exteriores circundam todo o complexo conjunto, sendo compostas por quatro contraguardas e quatro revelins, a que se adiciona um hornaveque a Norte, obra avançada que defende o lado mais frágil da fortificação, tendo sido delineado com bastante simetria como o restante recinto. Um caminho coberto com cerca de 1700 metros de comprimento acompanha todas as obras exteriores. Estas são defendidas em diversos sectores por covas de lobo, abertas no terreno e dissimuladas com ramos de árvores para que o inimigo caísse nelas. Debaixo do caminho coberto e acessível através do fosso principal temos uma galeria de tiro para o mesmo fosso que serviu também como aquartelamento e como prisão.
Singularidades
O Forte da Graça é considerado como uma obra-prima de fortificação onde a arte se esgotou por completo. A sua construção apresentou uma série de singularidades como consequência da esplendida resolução de diversos condicionantes tais como: exiguidade do espaço, existência de afloramentos rochosos, necessidade de albergar um grande número de homens, armamento e logística. Considerando este ponto de vista enumere-se as particularidades: notável simetria no desenho e em planta (o que favoreceu a capacidade defensiva); uso dos espaços subterrâneos das obras; uso da própria modelação da esplanada, pela elevação (não se vê o forte por parte dos inimigos); pela materialidade de construção (alvenarias de grande qualidade, pela espessura, etc.) e sobretudo pela opção da geometria das frentes através do 2º Sistema Francês de Pagan, apesar do mesmo já ser empregue no Forte de Santa Luzia, com ângulos de flanco obtusos e linha de defesa rasante, sem flancos secundários, resultou numa sofisticação defensiva autêntica e singular.
Um sistema de fortificação é complexo e deve integrar todos os pormenores referidos aliados à sublime racionalidade do traço com as condições de construção tão adversas, o que atribui o título de uma “obra-impar” no seu tempo e que perdurou no tempo até aos nossos dias com a mesma impressão de monumentalidade.
A Necessidade do Forte
A partir de meados do séc. XVII em diante, a colina que até então tinha tido função religiosa, começou a representar uma ameaça perigosíssima para a cidade, mediante a integração da pólvora na arte da guerra. Dada a sua implementação, consistia num ponto frágil e estratégico para o ataque do inimigo, constituindo ao mesmo tempo um perigo iminente para a população, uma vez que a partir deste local se poderia bombardear facilmente a cidade. Com o desenvolvimento contínuo da artilharia, a pouca distância face à cidade e o desnível entre o Monte da Graça (404m) e a zona do Castelo (345m), a necessidade de fortificação desta barreira natural ameaçadora era urgente. Quem se apercebe desta necessidade é o Conde de Lippe que, trazido de Inglaterra pelo Marquês de Pombal, vem reorganizar o Exército Português. Será Lippe quem ordenará a construção do Forte da Graça.
De Forte a Prisão
Com a Guerra Civil de 1828 a 1834, o Forte da Graça passou a ser aproveitado para prisão política, mais que duplicando a sua população. Muitos dos espaços que tinham a função de quartéis e paióis passam a ser prisões e os principais implicados nos golpes que se seguiram até 1851 eram presos neste forte de Elvas. Em 1875 é criada uma Companhia de Correção no forte. No ano de 1894, a Companhia transforma-se num Depósito Disciplinar. Com a implantação da República, o Forte da Graça transforma-se numa prisão política, função que terá até 1975.
A Capela e os Capelães
Em 1778 estavam concluídos os trabalhos mais importantes do Forte e ainda no mesmo ano foi aberta ao culto a sua Capela. Foi recolhida a imagem de Nª Srª da Graça da casa de um oficial e em 1817 foi pedida a preparação e pintura do altar para a colocação da Santa. Porém o Forte esteve alguns anos sem capelão fixo e por isso justificava-se que os serviços de assistência religiosa fossem prestados pelo capelão do Regimento de Artilharia de Estremoz que, a partir de 1767, passou a ter a sua sede na referida Fortaleza.
Ultrapassadas as dificuldades para se criar um lugar de capelão fixo, foi promovido definitivamente no lugar de 25 de outubro de 1805, ficando assim criada a capelania.
O cargo de capelão foi mandado suprimir, logo que o mesmo vagasse, pelo artª 5º do D. de 26 de dezembro de 1868, mantendo-se no entanto o culto, para o que se abonava a quantia de 144 $ 00 réis anuais ao Conselho Administrativo do Forte, para se pagar ao presbitério que servisse de capelão.
Restabelecido o lugar de capelão pela organização de 24 de outubro de 1884, manteve-se até à Reorganização do Exército de 25 de maio de 1911 que extinguiu o corpo de capelães militares e baixou de classificação o Forte da Graça, que deixou de ter Governo especial. Terminou assim o culto na Capela da Fortaleza donde em 1929 se retiraram as imagens para se realizar nela o julgamento dos chefes da revolta de fevereiro de 1927.
Segue-se a lista dos Capelães do Forte:
- Francisco Santa Rita
- Padre Manuel Joaquim Cordeiro e Silva
- Capelão Manuel Santa Tecla
- Capelão António Joaquim de Assunção
- Capelão Provº, António Augusto Teixeira
- Capelão Provº, António dos Santos
- Capelão de 2ª, Manuel Segismundo da Piedade
- Capelão António dos Santos
- Capelão Abilio Augusto Rocha
- Capelão Provº, José Caetano Esteves
- Capelão de 3ª, José Ferreira de Andrade
- Capelão Provª, José Francisco Vasco de Almeida
- Capelão António Diniz da Gama
- Capelão de 3ª, Elísio Mateus de Campo
- Capelão de 3ª, Jaime José Ferreira
- Capelão de 2ª, António Joaquim Camelo
- Capelão de 3ª, José Norberto de Araújo Esmeriz
- Capelão de 3ª, António Gaspar Cabral
- Capelão de 3ª, Francisco Barbosa da Silva
A Guarnição
A guarnição em pé de guerra era constituída no ano de 1874 por 6484 homens, percorrendo diversos cargos desde praças de infantaria a enfermeiros. Eram também necessários 288 cavalos e 124 mulas. Havia aprovisionamento de víveres para 60 dias de cerco, estando previstas 107 520 rações para homens e 600 para os 10 cavalos para oficiais, o que equivale a uma ração por dia em ambos os casos.
No que respeita ao armamento de defesa, ou seja, as peças de fogo, o número também se altera consoante a data. Em 1803 são 144 bocas-de-fogo de vários calibres. Em 1829 contam-se 167 peças de bronze e de ferro, obuses e morteiros e em 1874 o arsenal era constituído por 137 peças e 12 morteiros e bastantes arcabuzes, espingardas, clavinas, pistolas, espadas, lanças e piques.
Em relação às armas portáteis e no mesmo ano havia “cartuchames” para carabinas de “infantarias”, de “artilharias de guarnição e de “engenheiros”. Já em 1857 havia arcabuzes, espingardas, clavinas, pistolas, espadas para cavalaria, lanças com haste e piques, dos projéteis inventariados constam balas, bombas de ferro para morteiros, granadas e “lanternas”. O Forte estava sempre consideravelmente bem apetrechado em situação de guerra em termos de ferramentas, materiais, máquinas e viaturas.
Guillaume Louis Antoine de Valleré
Valleré nasceu em 1727 em França na vila de La Ferté-Milon, região da Picardia. Era filho de Claude-André de Valleré, recebedor de subsídios, e de Marie Genevieve Bonet. Enveredou pela vida eclesiástica mas cedo desistiu e matriculou-se na École des-cadetesgentilshommes, escola militar de Paris. Terminando os seus estudos nesta escola, começou a frequentar os estudos na Escola de Pontes e Calçadas de Paris. Assentou depois praça num corpo de cavalaria ligeira e em 1746 participou na Batalha de Raucoux. Um ano depois foi promovido a Tenente.
Chega a Portugal em 1753 e quatro anos depois recebe a categoria de Capitão de Mineiros do Regimento de Artilharia de Estremoz. Serviu neste posto até 1762, ano em que é nomeado Tenente-Coronel e lente da Aula do seu regimento. Passa posteriormente a lente do Regimento de Artilharia da Corte, com sede na Torre de São Julião da Barra. É nesta altura que conhece o Conde de Lippe. No âmbito da guerra com Espanha é encarregue do comando de um parque de artilharia em Abrantes. Tendo-se distinguido nesta missão, sobe a Coronel e Comandante do Regimento de Artilharia de Estremoz. Em 1763, Lippe escolhe-o para a construção do Forte da Graça em substituição do primeiro arquitecto, Etiénne.
Quando em 1767 o Conde de Lippe volta a Portugal, promove-o Brigadeiro. Em 1780, graças à sua cultura e engenho, é eleito sócio da Academia real das Ciências. Cinco anos depois, nessa mesma academia, vence um primeiro prémio graças a um estudo de hidráulica. Inventou um reparo para as peças de calibre 3 para que estas pudessem ser conduzidas por animais em difíceis montanhas. Cria também diversos reparos para artilharia mergulhante no Forte da Graça. Em Elvas, Valleré para além do Forte da Graça, edifica os Quartéis do Casarão (hoje Museu Militar de Elvas), a Fonte de São Lourenço e ainda a Quinta da Serra do Bispo, residência campestre do Bispo de Elvas, e a Quinta do Tesoureiro Geral, residência do tesoureiro geral das tropas da Província do Alentejo.
Guillaume Louis Antoine de Valleré faleceu em Lisboa no dia 12 de Maio de 1796.
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268 639 741
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